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os 75 anos da maior tragédia eleitoral de Campina Grande

(Foto: Reprodução / Retalhos Históricos de Campina Grade)

Campina Grande sempre foi reconhecida por sua intensa politização. Em períodos eleitorais, essa efusividade dos ânimos se manifesta de forma ainda mais aguda, quase visceral — algo enraizado na cultura política do povo campinense.

Contudo, há exatamente 75 anos, essa paixão por disputas ideológicas resultou em uma das mais trágicas páginas da história política da cidade.

O dia era 9 de julho de 1950, em plena campanha para o governo estadual. A cidade, que já despontava como um dos principais polos urbanos do interior nordestino, respirava política em cada esquina.

Naquele domingo, Campina Grande se preparava para receber um grande comício — ou, nos moldes da época, um “showmício” — organizado por apoiadores da União Democrática Nacional (UDN), que lançava o nome de Argemiro de Figueiredo para disputar o Palácio da Redenção. O evento serviria também para celebrar o andamento das obras do novo prédio dos Correios e Telégrafos, símbolo da modernização urbana que Campina vivia naquele momento.

(Foto: Reprodução / Retalhos Históricos de Campina Grade)

A concentração teve início ainda no distrito de Santa Terezinha, na entrada da cidade. Uma passeata partidária atravessou diversas ruas, ganhando apoio e volume até alcançar a Praça da Bandeira, onde fora montado um grande palanque.

Segundo relatos do escritor Josué Silvestre, em sua obra Memórias de Vida e de Morte, discursos inflamados e entusiásticos tomaram conta do espaço, sendo proferidos por nomes de destaque da política paraibana como Joacil de Brito, Ivandro Cunha Lima, Ernani Sátiro, João Agripino, Pereira Lima, e, encerrando a sequência, o próprio Argemiro de Figueiredo.

O ato político terminou com apresentações musicais de grandes ícones da era de ouro do rádio brasileiro, como Emilinha Borba e Luiz Gonzaga, figuras carismáticas da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. A festa, contudo, transformou-se em tragédia.

Com o encerramento do evento e a dispersão da multidão, começaram os encontros entre grupos adversários, especialmente entre militantes da UDN e apoiadores da Coligação Democrático Paraibana, que reunia setores do PSD, PTB que apoiavam José Américo de Almeida.

(Foto: Reprodução / Retalhos Históricos de Campina Grade)

A tensão aumentou quando manifestantes contrários à UDN ocuparam o palanque recém-utilizado pelo partido e passaram a discursar com tom desafiador.

A partir dali, o que era disputa retórica, deu lugar a pancadaria generalizada e, logo em seguida, a disparos de armas de fogo. O cenário foi descrito por testemunhas como o de uma verdadeira batalha campal.

A repressão policial foi imediata — e brutal. Em vez de conter o conflito, os relatos indicam que a Polícia Militar agiu com extrema violência, usando a força de forma desproporcional. Testemunhas afirmaram que alguns soldados ajoelhavam-se na praça, fazendo pontaria contra a multidão em pânico. O saldo foi devastador: três mortos, mais de 20 feridos graves e dezenas de pessoas com escoriações.

As vítimas fatais foram:

  • Rubens de Souza Costa, bancário, espancado brutalmente por policiais;
  • José Ferreira dos Santos, mecânico, alvejado durante o tumulto;
  • Oscar Coutinho, técnico que trabalhava na instalação dos elevadores dos Correios, atingido por bala perdida.

A repercussão foi imediata em todo o estado. O advogado Aluísio Campos, então presidente do PSB em Campina Grande, sintetizou a indignação popular ao afirmar:

Jamais sofri tamanho desapontamento. Nunca testemunhara facínoras fardados investirem de modo tão selvagem sobre o povo para matá-lo friamente.

Aluísio Campos

O triste episódio ficou conhecido como a “chacina da Praça da Bandeira” — expressão cunhada posteriormente por memorialistas e intelectuais da cidade. Foi o momento mais sangrento da história política de Campina Grande e um símbolo da falência do diálogo em tempos de transição democrática.

O contexto

Apesar de marcante, o evento não pode ser compreendido isoladamente. Ele se insere num contexto nacional de rearranjo institucional pós-Estado Novo, quando o país ensaiava os primeiros passos rumo à democracia formal, mas ainda carregava práticas herdadas do regime anterior.

A análise desse episódio ajuda a compreender não apenas o ambiente eleitoral da época, mas os desafios enfrentados por José Américo ao compor seu governo, negociar alianças e lidar com as heranças políticas do Estado Novo.

Mais do que uma lembrança trágica, a chacina da Praça da Bandeira permanece como advertência histórica sobre os riscos da intolerância e da repressão política — um passado que insiste em dialogar com o presente.

O texto acima teve por referências históricas, além da obra de Josué Sylvestre, os ímpares artigos do Blog Retalhos Históricos de Campina Grande e a rica dissertação feita por Jivago Correia Barbosa, do departamento de História da UFPB.

Texto: Pedro Pereira