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Sistema usa inteligência artificial para combater sonegação fiscal em rodovias da Paraíba

Resistência e força. É dessa forma que os cactos se comportam na natureza. Além disso, também são sinônimos de proteção e defesa. Já nas rodovias da Paraíba, com uma essência parecida, um sistema que tem o mesmo nome da planta usa inteligência artificial para combater, em tempo real, a sonegação fiscal no transporte de cargas.

O Controle de Acompanhamento de Mercadorias em Trânsito On-line, mais conhecido e facilmente lembrado como Cacto, é uma plataforma que faz da internet um espaço para a integração e o cruzamento de informações fiscais. E são esses dados que auxiliam os auditores em abordagens e ações de inteligência em fiscalização de mercadorias nas rodovias paraibanas. O sistema é voltado especialmente para o controle de cargas.

Os estudos para a criação do programa começaram em 2019. Primeiro, auditores fiscais, dentro da Gerência de Mercadorias em Trânsito da Secretaria de Estado da Fazenda da Paraíba (Sefaz-PB), tiveram a ideia de criar a ferramenta. Quando a proposta foi aprovada, passou a ser desenvolvida pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), por meio de uma parceria. Já no ano de 2022, o sistema começou a ser utilizado na prática.

O Cacto facilitou e ofereceu mais recursos para o trabalho ostensivo que já era feito pelos auditores fiscais nas rodovias. Por meio dele, a Sefaz intensificou as ações voltadas para combater o crime de sonegação fiscal no estado.

A sonegação fiscal acontece quando os impostos devidos não são declarados e pagos por empresas e pessoas ao Estado. Dessa forma, esses recursos se tornam inexistentes e não chegam aos cofres públicos. Com isso, os tributos não são transformados em políticas públicas para a sociedade, que deixa de receber investimentos em setores essenciais, a exemplo de educação, saúde e segurança.

Com base na atuação do Cacto, esta reportagem conta como o sistema funciona, como auxilia no trabalho dos auditores, os impactos financeiros e como ele contribui para a cidadania fiscal.

Apreensão de sucata de cobre feita pela Sefaz. Foto: Sefaz/Divulgação.

Processamento de dados: como o Cacto funciona e identifica situações atípicas

Do Litoral ao Sertão e entre outras regiões, os sensores do Cacto estão instalados pelas rodovias do estado inteiro. Os equipamentos transmitem dados para a base da Sefaz com a ajuda da inteligência artificial, e essas informações são processadas na plataforma. A partir disso, são feitas diversas análises com base em documentos fiscais, placas e imagens.

Todo esse processamento acontece em tempo real dentro do Cacto, que dispara indicativos de situações atípicas.

“Essas situações são analisadas pelos auditores fiscais. Com os dados em mãos, os profissionais decidem o que fazer. Se vão adotar algum procedimento presencial ou vão fazer apenas o acompanhamento virtual de empresas e cargas”, explicou Filipe Laurentz, que é gerente operacional de fiscalização de mercadorias em trânsito da Sefaz.

Filipe também exemplificou uma situação atípica, do tipo que costuma ser sinalizada pelo sistema. De acordo com ele, um sinal de alerta é acionado, por exemplo, quando se identifica um caminhão que circulou algumas vezes por determinados municípios paraibanos sem informar nenhuma documentação fiscal.

“Nenhum caminhão vai ficar circulando vazio, gastando combustível, se não tiver carregando alguma coisa, se não tiver uma finalidade comercial”, detalhou o Filipe de forma didática.

No momento, não há como precisar quantos sensores estão conectados ao Cacto. Por ser integrador, o sistema recebe dados de órgãos municipais, estaduais e federais. E por conta disso, esse número é grande, variável e dinâmico.

Porém, a estimativa é que a ferramenta conte com pelo menos 400 sensores, somente pertencentes ao Governo da Paraíba, compondo a estrutura de fiscalização.

Fluxo de funcionamento do sistema Cacto. Infográfico: Iara Alves.

Fiscalização ostensiva e importância da nota fiscal

Uma situação atípica nem sempre corresponde a uma carga irregular. A explicação de quem domina o assunto é direta e clara.

“Você pega um veículo que circulou dez vezes nos últimos 30 dias na Paraíba, vai apontar um indício de situação atípica. Mas você vai ver que é um carro de bombeiro. Porque o Cacto faz análise de veículo de grande porte, como de carro de lixo também. Mas nesse caso, não é fraude fiscal”, exemplificou o coordenador do sistema.

Por outro lado, quando uma carga está irregular, há sim uma fraude fiscal no carregamento. Alguns exemplos são a ausência de documentação fiscal, a circulação em uma rota que não está nos documentos, como um caminhão que registrou o trecho entre Recife e Natal, mas foi flagrado em Cajazeiras.

Entre os problemas mais comuns, estão as mercadorias sem documentação fiscal. Porém, o principal é o transporte sem o manifesto de carga.

O manifesto é um documento fiscal eletrônico obrigatório, que deve ser utilizado pelos contribuintes de ICMS. Para emiti-lo, a empresa precisa estar credenciada junto à Secretaria da Fazenda do Estado em que está estabelecida.

Esse documento pode ser emitido de forma rápida e fácil pelo próprio site da Sefaz-PB, no mesmo local em que o restante da documentação fiscal é emitida.

E é claro, para que os impostos devidos pelas empresas sejam recolhidos, é necessário que haja nota fiscal. Nela, constam informações como:

👨🏻‍🦱💳Quem compra;

👨🏻‍🦱💵Quem vende;

🍖Que tipo de mercadoria;

💰Valor.

O valor, de acordo com o que explicou Filipe Laurentz, é o que se chama de base de cálculo.

“Pra você calcular o imposto, você precisa ter uma base de cálculo. E essa base de cálculo está na nota fiscal. É o documento oficial que comprova a operação. A Sefaz faz todos os cálculos com base na nota fiscal eletrônica. Se o contribuinte não emitiu a nota, não tem como identificar isso, como identificar aquela operação. E, consequentemente, não há recolhimento do tributo”, contou.

As cargas que apresentam mais irregularidades são, geralmente, as de valor mais alto. Esse cenário, conforme o coordenador do Cacto, não se limita à Paraíba, mas é comum no país inteiro.

Entre os produtos em cargas com mais sonegação estão bebidas, medicamentos, combustíveis, cigarros e carne.

“Quanto maior o valor, maior o interesse do sonegador. Ao contrário de menores valores, como de banana e abacaxi. São exemplos, vai de acordo com o cliente”, explicou Filipe.

Simulação com dados presentes em notas fiscais. Foto: Jornal da Paraíba.

O trabalho dos auditores e a expansão do Cacto

Ao todo, 15 auditores trabalham diretamente com o Cacto na Paraíba. E outros órgãos também utilizam o sistema, como Secretarias da Fazenda de outros estados do Nordeste, como Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte.

Além disso, mais órgãos parceiros também devem receber acesso à plataforma em breve, a exemplo da Polícia Rodoviária Federal e Polícia Federal.

Os auditores fiscais trabalham em equipe na central de monitoramento da Sefaz. Nela, eles fazem as análises das ocorrências em tempo real.

“O que tá acontecendo agora nas rodovias eles estão visualizando. Toda movimentação de cargas dentro do estado. Com o uso de tecnologia, a gente consegue identificar as situações de indícios de irregulares. E outras ferramentas contribuem pra tomarem as decisões mais assertivas”, explicou Filipe.

Os sensores capturam características dos veículos. Mas o acompanhamento é feito pelos auditores. Eles checam se a carga tem identificação fiscal. Para isso, contam com uma grande base de dados para consulta.

Por questões de segurança, a Sefaz não revelou o valor dos impostos recolhidos por meio do Cacto.

Por outro lado, algumas das ações foram divulgadas pela secretaria. Em uma delas, uma carga com 2.080 caixas de conhaque foi apreendida na BR-412, no município de Pocinhos, localizado do Agreste paraibano. O carregamento, avaliado em RS 549.120,00, era transportado em uma carreta sem documento fiscal. Nesse caso, foram recolhidos R$ 137.280,00 em impostos.

Em outra situação, foram apreendidas 2 mil caixas de óleo de soja, avaliadas em R$ 242.424,24. A apreensão aconteceu na BR-230, em Pombal, no Sertão da Paraíba. Nessa situação, foram recolhidos R$ 60 mil em impostos e multa.

Já outras ações executadas nas BR-230 e 104, em João Pessoa e Campina Grande, resultaram na apreensão de cargas de feijão, sucata de cobre, sorvetes, peixe, embalagem para pescados, vinho, alho, leite em pó e bacalhau. Todo esse material foi avaliado em R$ 1.511.656,42 e não apresentava nota fiscal ou o documento continha fraudes.

Depois da contabilidade das mercadorias pelos auditores fiscais para calcular o imposto e a multa, as cargas passaram por um auto de infração, que gerou o recolhimento de R$ 304.460,13 em imposto e multa de R$ 114.172,55. As cargas foram liberadas após a quitação dos tributos.

Apreensão de conhaque em Pocinhos. Foto: Sefaz/Divulgação.

Impactos positivos no comércio local e nos cofres públicos

Para Filipe Laurentz, coordenador do Cacto, o segmento mais impactado pela ferramenta é o comércio local, já que a plataforma ajuda a combater a concorrência desleal.

“O objetivo do fisco estadual é identificar mercadorias em situação irregular, que transitam no estado e que terminam por destruir a concorrência, as empresas que trabalham de forma honesta e legal. Essas empresas fazem as reclamações dizendo que estão trabalhando corretamente, mas o vizinho tá recebendo mercadoria irregular. E, por isso, não têm como competir com ele”, contou.

A matemática, nesses casos, é simples. Se um transportador sonega impostos, os produtos são “barateados” durante a cadeia de comercialização de forma irregular. E quem declara os tributos de forma correta, comercializa com preço justo, mas não consegue concorrer com quem vende mais barato.

Além disso, os efeitos nos cofres públicos também são significativos, já que os impostos são fontes para os investimentos públicos. É por meio deles que serviços de saúde, educação, habitação, saneamento e cultura são mantidos e potencializados.

“A contribuição é imensurável. Quando você não recolhe o imposto, o valor não entra nos cofres do Estado e não retorna pra o povo”, reforçou Filipe.

Sefaz repassou R$ 2,699 bilhões em impostos estaduais para as prefeituras paraibanas

Na Paraíba, por exemplo, os tributos estaduais são a principal receita. E somente o ICMS, geralmente sonegado em cargas irregulares, representa 95% da arrecadação.

Apenas no ano passado, a Sefaz repassou R$ 2,699 bilhões em impostos estaduais (ICMS e IPVA) para os 223 municípios paraibanos. O valor representou um aumento de 15,85% em comparação com 2023. Em valores reais, o acréscimo foi de R$ 369,308 milhões. O repasse teve a seguinte origem:

➡️ICMS – Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação: R$ 2,399 bilhões;

➡️IPVA – Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores: R$ 300 milhões.

De acordo com o que prevê a lei, o montante repassado do ICMS corresponde a 25% da arrecadação do tributo, que é distribuído mensalmente às administrações municipais com base na aplicação do Índice de Participação dos Municípios (IPM), definido para cada cidade no ano anterior.

Já sobre o valor do IPVA, o Estado repassa ao município onde o veículo está licenciado 50% da receita arrecadada do tributo.

Na prática, de cada R$ 100 arrecadados do ICMS mensalmente pelo Estado, R$ 25 são destinados aos municípios. Já no IPVA, de cada R$ 100 arrecadados, R$ 50 vão para os municípios.

Os 10 municípios que mais receberam repasse do ICMS e do IPVA em 2024 foram:

1️⃣ João Pessoa – R$ 576,516 milhões;

2️⃣ Campina Grande – R$ 323,764 milhões;

3️⃣ Cabedelo – R$ 187,380 milhões;

4️⃣ Alhandra – R$ 101,234 milhões;

5️⃣ Santa Rita – R$ 86,037 milhões;

6️⃣ Patos – R$ 46,684 milhões;

7️⃣ Conde – R$ 40,553 milhões;

8️⃣ Bayeux – R$ 33,973 milhões;

9️⃣ Sousa – R$ 33,915 milhões;

🔟 Cajazeiras – R$ 26,750 milhões.

A arrecadação dos impostos de 2024, no valor de R$ 10.417.340.848,29, também foi maior do que a de anos anteriores. Já até maio de 2025, R$ 4.548.378.102,18 em tributos já foram arrecadados. Confira detalhes no gráfico abaixo.

Arrecadação de impostos na Paraíba nos últimos três anos. Gráfico: Jornal da Paraíba.

Outras formas de combater a sonegação fiscal

A Sefaz também tem um trabalho de força conjunta desempenhado pelo Grupo Operacional de Atuação Especial de Combate à Sonegação Fiscal (GAESF). O órgão, que é fruto de uma parceria entre a Sefaz e outras instituições, foi criado na Paraíba em março de 2022. Fazem parte dele as seguintes entidades:

➡️Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz-PB), por meio de auditores fiscais tributários;

➡️Secretaria de Estado da Segurança e da Defesa Social (SESDS), por meio da Polícia Civil, com o trabalho da Delegacia Especial de Crimes Contra a Ordem Tributária (DCCOT);

➡️Ministério Público da Paraíba (MPPB), por meio de promotores de Justiça que atuam no Núcleo de Atuação e Mediação em Ilícitos Tributários (Namit);

➡️Procuradoria Geral do Estado (PGE), por meio de procuradores do Estado.

As funções do GAESF são de buscar a identificação e apurar os crimes contra a ordem tributária, promover ações conjuntas que defendam a ordem tributária, formar e manter banco de dados e promover outras atividades necessárias à identificação de autoria e produção de prova.

Campanha ‘Nota Cidadã’ estimula cidadania fiscal na Paraíba

A campanha de prêmios “Nota Cidadã” foi lançada em 2019, na Paraíba. O projeto é uma iniciativa do Governo do Estado, por meio da Sefaz.

A finalidade da campanha é fortalecer o exercício da cidadania fiscal e a participação mais ativa do cidadão paraibano na exigência da nota fiscal durante a compra de produtos. A iniciativa, com prêmios mensais em dinheiro, também tem o objetivo de apoiar e estimular as compras no comércio local.

Para participar e concorrer aos prêmios, os contribuintes devem, inicialmente, fazer um cadastramento no Portal da Cidadania, em https://notacidada.portaldacidadania.pb.gov.br/usuarios/cadastro. Durante o cadastro, que é obrigatório, são exigidos dados pessoais como número de CPF, nome completo, data de nascimento e e-mail.

A outra exigência é inserir na Nota Fiscal de Consumidor Eletrônica (NFC-e) ou na Nota Fiscal Eletrônica (NF-e), autorizadas pela Sefaz-PB, o número do CPF do consumidor, independente do valor do documento fiscal. Essa nota com o CPF do cidadão vai gerar um bilhete que servirá para concorrer aos sorteios em dinheiro.

Portanto, o consumidor deve inserir na nota fiscal em cada compra, de qualquer valor, o número do CPF para então concorrer aos prêmios. Os sorteios acontecem mensalmente na sede da Loteria do Estado da Paraíba (Lotep), em João Pessoa.

Pode participar da campanha qualquer pessoa a partir dos 18 anos, que tenha adquirido mercadoria, como consumidor final, em estabelecimento inscrito no Cadastro de Contribuintes do ICMS do Estado da Paraíba (CCICMS).

Os recursos da campanha são do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento da Administração Tributária (FADAT).

Nota fiscal. Foto: Divulgação.

Como denunciar a suspeita de sonegação fiscal na Paraíba

Além de contar com o trabalho do Cacto, os paraibanos também têm dois canais práticos para denunciar possíveis crimes de sonegação fiscal. Um deles é o telefone 197, da Polícia Civil, por meio de ligação gratuita.

O outro é o portal da Sefaz, em https://www.sefaz.pb.gov.br/denuncia. Na página, o cidadão pode denunciar qualquer tipo de situação onde há um provável problema de sonegação.

Um exemplo de episódio que pode gerar uma denúncia é a recusa de um estabelecimento ou empresa de entregar o cupom fiscal após uma compra.

Uma denúncia precisa de algumas informações iniciais:

➡️Descrição do fato denunciado;

➡️Local do fato que está denunciado;

➡️Empresa denunciada;

➡️Inscrição estadual da empresa;

➡️CNPJ.

Quem está denunciando uma possível irregularidade não tem a obrigação de se identificar. Mas se for possível, essa identificação é importante para facilitar a apuração de dúvidas sobre os fatos indicados na denúncia. De toda forma, os dados serão mantidos em sigilo.

Quando esse tipo de ação é denunciada, equipes do GAESF partem para uma fiscalização, que é quando é investigado se, de fato, existe alguma irregularidade.

Em seguida, a empresa é auditada e pode ser autuada, caso esteja irregular. Depois disso, ainda há um prazo para apresentação de defesa até que uma decisão final seja tomada.