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Opinião: Poço de contradições

Presidente Lula e ministra da saúde, Nísia Trindade. Ricardo Stuckert / PR

A informação de que a ministra da Saúde, Nísia Trindade, não tomou a dose de reforço contra a Covid-19, contrariando as orientações da pasta que ela mesma comanda, é mais um episódio que expõe o poço de contradições em que se afunda o governo do presidente Lula (PT). Na teoria, o discurso é um; na prática, é o oposto.

Considerando que “estar em dia” com todas as doses da vacina é quase um dogma para o governo, que afirma defender a ciência contra o negacionismo do passado, é grave que Nísia esteja há um ano sem atualizar o cartão de vacinação. Será que os outros quase 40 ministros seguiram o mesmo caminho?

A contradição parece ser a marca registrada da gestão petista desde 2023. Isso fica evidente ao analisarmos temas como responsabilidade fiscal, transparência dos atos do governo, indicações para o Supremo Tribunal Federal (STF), e até o cuidado com o meio ambiente, a Floresta Amazônica e os povos indígenas.

Custa acreditar que o mesmo governo que tem Marina Silva — referência mundial em meio ambiente — entre seus quadros seja aquele cujo presidente, em discurso recente, defendeu a exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas, apesar dos riscos apontados por ambientalistas. Defender a exploração, em tese, não é um problema. O que chama atenção é a incoerência gritante entre o discurso e a prática.

Esse posicionamento em relação ao petróleo não soaria estranho vindo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que sempre defendeu, de forma clara, a exploração “responsável” da Amazônia. Já no governo Lula, o que se vê é um desalinho que confunde.

Ainda na área ambiental, vale destacar que a gestão atual registra um recorde vergonhoso: o maior número de queimadas na Amazônia em 20 anos, segundo levantamentos recentes. Será que “vale tudo” para vencer uma eleição, a ponto de prometer o que não se pode cumprir?

Outra promessa emblemática de Lula, quando candidato em 2022, era acabar com o sigilo das informações do governo. No entanto, um levantamento recente do jornal O Globo revelou que, além de aumentar os gastos com o cartão corporativo, ele manteve os sigilos no mesmo patamar de seu antecessor. Curiosamente, isso tem sido pouco cobrado.

Por falar em transparência, por que o governo suspendeu, em julho de 2024, os boletins mais frequentes sobre óbitos na Terra Yanomami? Segundo o G1, a medida veio após a repercussão do aumento de mortes no território durante a gestão Lula. A decisão levanta dúvidas e mina o discurso oficial.

Tão impactante quanto, foi a promessa de Lula de não nomear amigos para o STF, afirmando que isso seria um “retrocesso”. Quando teve a chance, porém, indicou o advogado Cristiano Zanin e, mais tarde, o então ministro da Justiça, Flávio Dino. Abro um parêntese: apesar da contradição do presidente, Zanin tem desempenhado, até agora, um trabalho técnico e discreto, elogiado por muitos e condizente com a postura esperada de um juiz.

Por outro lado, muitas apoiadoras de Lula esperavam a indicação de uma mulher – negra – para a Suprema Corte. Isso não aconteceu. Nem no STF, nem na Esplanada as mulheres ganharam o espaço prometido. Pelo contrário: há uma investigação em curso sobre suposto assédio contra mulheres do governo, atribuído ao ex-ministro dos… Direitos Humanos! Silvio Almeida nega as acusações.

Nísia Trindade, o exemplo mais recente desse mar de incoerências, deve perder o cargo para Alexandre Padilha, segundo a imprensa. Com isso, o governo ficará ainda menos feminino, apesar das promessas de ampliar a presença delas nos espaços de poder. Mas, se a “contradição” for o critério para afastar Nísia, pergunto: quem sobraria em pé?

A essa altura, começo a comparar o Brasil à Oceania do romance distópico 1984, de George Orwell. Para manter a legitimidade, o governo parece empenhado em nos convencer que essas contradições são, na verdade, positivas — tudo pelo nosso bem. Espero que, pelo menos, não tente nos “forçar” a pensar como ele. Afinal, vale dizer o óbvio: Guerra NÃO é Paz; Liberdade NÃO é Escravidão; Ignorância NÃO é Força.